“A partir daquele dia, me sentia pronta para deixar de ser jornalista de redação e me tornar personagem de uma matéria inspiradora falando sobre uma jornalista de 35 anos com carreira promissora que decidiu pedir demissão e se tornar… eu só esqueci que precisava preencher essa parte”.
Foi assim que comecei essa newsletter há um ano, num texto em que comparava demissão e divórcio, duas experiências intensas pelas quais já havia passado. O divórcio já tinha alguns anos, mas o pedido de demissão havia acabado de acontecer.
um ano.
Isso quer dizer que há um ano tento responder essa questão que construí numa saída súbita de empresa motivada por um burnout (ou desespero, chame como quiser). E, nesse tempo, tentei muito.
Pedi ajuda à análise. Pedi ao mar. Pedi às luvas. Pedi à comida. Pedi aos remédios. Pedi aos gatos. Pedi ao avião. Pedi à São Paulo. Pedi aos amigos, aos não-tão-amigos, aos amigos que reconheci e desconheci. Pedi ao espelho. Pedi à cabeleireira. Pedi à internet e descobri que lá não se pode pedir. Pedi à cama. Pedi à quem dorme ali ao lado. Pedi às tintas, às paredes, aos pinceis. Pedi aos búzios. Pedi aos santos. Pedi aos prantos.
Até que, de tanto pedir, eu também perdi. O juízo, o controle, as roupas, o rumo, o prumo, o eixo, o jeito, a cara, os cabelos, o desejo, a vontade, a coragem, o dinheiro, o tempo.
Também de tanto pedir, eu tive que ouvir. Ouvi tanto, ouvi de tudo, mais do que deveria. Ouvi, ouvi, ouvi demais. Conselhos, desabafos, desaforos. Ouvi que eu era isso, aquilo, aquilo outro, que deveria ser assim, desse jeito, do jeito assado. Que era pra ter pensado nela, nele, naqueles. Que não devia dizer, que deveria falar, que deveria fuder, que deveria acalmar, que era preciso uma coisa, que o posto era outra, que era assim mesmo, que poderia não ter sido, que poderia ser, que já foi, que já era, que ainda seria.
E aí eu escrevi, gravei, falei, gritei, chorei, filmei, pintei, me mediquei, larguei, gargalhei, sumi, voltei, achei, soltei, postei, topei, arrependi, acreditei, desconfiei, frustrei, desesperei, relaxei, aproveitei, questionei, vacilei, me passei, amei. errei. acertei.
Revisitei os passados com uma lente embaçada, como se a distância enevoasse a real paisagem. Com o tempo, já se sabe, o grau aumenta e a gente passa a enxergar mal o que um dia já se viu com clareza.
Até que a roda parou de girar. Rodou mundo, gigante, moinho e pião, como bem disse o poeta, e se aquietou. E num parar de rodar, sem tontura, eu pude me ver. Pra mim, por mim, pra além do que eu queria mostrar enquanto estava num giramundo sem fim - feito uma bailarina desgovernada que não direciona o olhar ao ponto firme pra conseguir girar no eixo. Como se subisse ao palco mais preocupada com o tutu e o coque do que se tinha aprendido a coreografia direito. E só lá, no acender das luzes e abertura de cortinas, lembrasse que era preciso saber por onde ir pra não cair diante da plateia. Pq, afinal, não é preciso parar de rodar, parar de olhar o mundo em movimento, de enxergar 360, de permitir que o corpo dance, mas é da dança mesmo a lição de mirar firme antes de dar a primeira pirueta.
E se voltasse na pergunta de um ano, a verdade é que mudei a questão: não quero mais preencher 'essa parte', nem parte nenhuma, porque pra preencher é preciso ser do tamanho certo. E não quero mais ficar de um tamanho só pra caber em algum lugar. Quero pingar, escapar, transbordar, ondear. Feito rio, hora cheio, hora vazio, que hora cai e da queda faz cachoeira. Guiada não só por ventos, mas por águas de mudanças.
um ano. E eu me tornei.
Somos mil! Mais de mil
Além do aniversário de um ano, outro marco aconteceu por aqui: são mais de mil inscritos nessa EPTL news.
Acho tão maluco tudo isso que só consigo me expressar via memes e dizer que eu não faço ideia de como cheguei aqui pois só tenho 6 anos. Bem como dizer que ~vem aí~ alguma coisa pra comemorar. Mas é verdade: vem aí!
São mais de mil inscritos num projeto autoral, independente, não remunerado, com uma frequência de envios completamente sem frequência, com textos pessoais demais, sem layout (mas queria). Mas, ainda assim, tem esse tanto de gente que se encontra nas palavras dessa jornalista (agora) escritora.
Que massa que vocês estão aqui. Que massa que a gente se encontrou num caminho contrário aos estímulos surreais e feeds sem fim. Fiquem à vontade e voltem sempre!
“Eu não quero ser refém do que as pessoas acham que seria o melhor eu fazendo. Eu sou livre. Eu faço o que eu quero. Agora, você pode perfeitamente não gostar do que eu tô achando que é lindo e perfeito. E acabou!”
Bethânia fala. E a gente reverencia.
Que edição linda! Mais de mil pessoas com bom gosto e bom senso que assinam - o mundo não está perdido como querem fazer crer
Parabéns pelo ano ♥️ Muitos virão
Ai que maravilhosa! Amei essa texto de hoje. Parabéns pelo primeiro ano!