Demissão é tipo um divórcio
Burnout, demissão, 'chegar lá'... Será que estão aceitando brasileiros na Islândia?
Jornalista, editora, 35 anos, sem filhos, 5 + 6 de empresa (com uma pausa de um ano no meio), futuro promissor, carreira estabilizada, nome reconhecido e respeitado. E demissão assinada. Essa sou eu.
“Coragem para ser quem eu quiser”
Era uma decisão analisada (literalmente, ali do pseudo divã on line das sessões com a psicanalista) e consciente. Fui à empresa, comuniquei chefias, desci ao RH, assinei o que tinha que assinar. Tudo certo, atitude tomada. A partir daquele dia, me sentia pronta para deixar de ser jornalista de redação para me tornar personagem de uma matéria inspiradora falando sobre uma jornalista de 35 anos com carreira promissora que decidiu pedir demissão e se tornar… eu só esqueci que precisava preencher essa parte.
Eu ri e chorei lendo esse tweet
Me tornar o que, exatamente?
A verdade é que em muitos momentos desses poucos dias eu me sinto feito uma barata tonta correndo pelo quarto sem saber onde é a saída. Tal qual Gregor Samsa depois de uma noite de sonhos intranquilos. O que, de fato, não deixa de ser uma metáfora muito próxima do que estou sentindo, uma vez que a história escrita por Kafka passava por um questionamento do valor da pessoa a partir do trabalho, com o qual ele provia à família e de como todas as suas virtudes estavam atreladas a esse labor.
A todo instante faço um paralelo da demissão com um divórcio, processo pelo qual também já passei. É uma relação com um acúmulo de angústias que acaba depois da queda da mísera gota d’água. No início, o medo, a aflição do desconhecido, do perder aquilo (ou aquele) que por tanto tempo foi porto seguro. Depois, a euforia. Uma animação e uma agitação de sentir-se livre, poderosa e capaz de enfrentar o mundo. Em seguida, o desespero. O que fazer com o tempo livre ao qual você dedicava aquilo (ou aquele), pra onde ir, o que fazer, como agir, como recomeçar? Já não sei mais fazer isso, a gente pensa. Estou velha, passada, fora de forma. E ansiosa.
E é nesse momento que se tenta provar para os outros que está bem e seguindo em frente. No caso do divórcio, surgem as selfies. No caso da demissão, as publicações sobre trabalhos ou reuniões. Nem as selfies nem as reuniões são lá tão reais, nem refletem como você está no momento, mas tentar corresponder às expectativas parece inevitável. Mas é preciso lembrar de si mesma.
Na sequência do caos, costuma chegar a plenitude, a calmaria diante de um novo já não mais assustador. Reencontrar-se em um novo lugar ou em um novo alguém, perceber que não existem fórmulas e que há sempre espaço pra uma nova história.
Foi assim com o divórcio, e é nesse paralelo que me apoio, pois, no momento, me encontro na quarta etapa. Perdida, postando reuniões e sem saber o que fazer com o tempo, numa cobrança imensa de já ter respostas pra tudo. Ao mesmo tempo, envaidecida por tantas mensagens acreditando no novo caminho e apavorada de descobrirem que eu não sou tudo isso (alô Síndrome da Impostora).
O ponto é que a gente (no caso, eu mesma) estamos sempre esperando aquele momento de glória de se tornar inspiração para alguém, de carregar uma história tão incrível que merece ser contada e de ser personagem das matérias que você mesmo se interessa em ler. O problema é que, antes de tudo isso acontecer (e se acontecer), tem muito chão pra percorrer. E eu tô só no primeiro passo.
No mais, estou me apegando aos tempos de jornalista de moda e tentando me sentir uma trend setter ou talvez uma fashion victim. Sim, porque essa movimentação sobre mudanças em carreira e decisões relacionadas à profissão tem sido ainda mais intensas atualmente. Óbvio que o contexto pandêmico tem muito a ver com isso, já que tudo ao nosso redor mudou e, especialmente, a nossa forma de trabalhar. Compartilho links e textos abaixo sobre tudo isso.
E, enquanto sigo nessa busca, resolvi compartilhar mais histórias nesse formato de newsletter, que tanto lembra saudosos blogs e também parece com o que já foi minha rotina recente na redação com um jornal totalmente digital. Algo como um exercício de desapego gradativo. Espero que funcione. E, se não funcionar, recomeço novamente (com uma licença poética para o pleonasmo).
A Islândia adotou um esquema de quatro dias úteis na semana e tem sido um sucesso absurdo. “Os trabalhadores relataram se sentir menos estressados ou menor risco de esgotamento. Acrescentaram ainda que sua saúde e equilíbrio entre vida profissional e familiar melhoraram”, diz a reportagem. Será que podemos sonhar?
E quando aquela colega de profissão que você admira tira licença por Burnout? Foi o caso da jornalista Jessica Senra, âncora do Bahia Meio Dia. A gente percebe que não é fácil para ninguém e que não adianta almejar a vida daqueles em quem a gente se espelha. Provavelmente estão passando pelo mesmo.
Nos EUA, inclusive, há recorde de pedidos de demissão. E um dos fatores pra isso é o "esgotamento do trabalho". Nessa matéria do G1 explica mais sobre o fenômeno.
Nesse meio do caminho, já se viu questionando sobre a sensação de não gostar de mais nada? De não saber quais são suas preferências, suas referências, o que te define? O Emanuel Aragão falou sobre isso no canal do YouTube e eu fiquei bem impactada de como 20 minutos de vídeo resumiram muitas sessões de análise. Ele traz referências da psicanálise e como o celular impactou em nossa construção de desejo, já que ele permite que tenhamos “tudo” a mão com o mínimo de esforço.
“A sensação de poder ter tudo (nas redes sociais) vai gerando na gente a sensação de que não quero nada, já que é tudo meio igual. O que é que eu quero?
Uma amiga que passou pelo mesmo processo e também conhece essa sensação de “olho do furacão” depois de sair de um trabalho em que se está a tanto tempo, ajudou compartilhando alguns links de podcasts:
No podcast Vida de Jornalista, ela indicou um episódio sobre a vida de freela. Nele, a Joana Suarez dá dicas de como se organizar.
Depois ela mandou o Moda Pé no Chão em um episódio sobre autoestima, que é tudo que a gente precisa pra dar alguns cliques em momentos de virada. “Me ajudou bastante a decidir o que eu queria pra minha vida, tanto pessoal como profissional”.
Aí depois ela mandou um de entrevistas com Ney Matogrosso porque nem só de imersão pessoal vive uma cidadã em crise.
Pegando carona, lembrei de um episódio do Calcinha Larga que ouvi com a Monique Evelle em que ela fala um pouco sobre o processo de sair do Profissão Repórter mesmo com todos achando que ali era o auge dela. E ela tem uma fala muito forte, que ajuda muito nessas horas. “Eu não brigo pra ocupar lugar, eu crio e ocupo”, ela diz. Pois toma!
Essa papo de “chegou lá” é muito parecido com o auge. Porque, o que vem depois que você “chega lá” ou que atingiu o auge? Só ladeira abaixo. Ou desce os degraus de volta ou leva uma grande queda. É só declínio! É por isso que, falando em carreira, é preciso estar sempre atenta para, nem perder energia buscando um “lá” que não existe, tampouco permitir que a vaidade de quem acredita que você esteja no auge te faça perder a direção e o foco. Difícil demais!
Nesse post a psicóloga Maria Camila Moura fala um pouco sobre isso: “A verdade é que nunca chegaremos lá, pois “chegar lá” significa estagnação”.
Veja bem, tudo o que vim falando até aqui foi do meu máximo recorte social. Se há espaço para exaustão em mim, avalie as mães. A Argentina, esses dias, deu um sopro de esperança aliada a uma lição de civilidade em busca de equidade com a medida que estabelece que mulheres poderão se aposentar por cuidar de filhos.
Ilustração: Jade Nordahl
Há séculos se fala sobre a jornada dupla (tripla, quádrupla…) das mulheres por conta da maternidade. E esse é um trabalho não remunerado e não reconhecido ao redor do mundo (por interesse do patriarcado). Pelo menos a Argentina deu esse passo. Vamos ver quem vai vir atrás.
Enquanto não encontro esse meu lugar no mundo, vou reconhecendo o poder da escrita nesse processo. Talvez guarde esse assunto para uma próxima newsletter (assim ajuda a não desistir do projeto no meio do caminho), mas encerro compartilhando dois textos que me tocaram. Esse, da Socorro Acioli, em que ela relata uma ligação com a Malu Mader e de como foi a sua profissão, a sua escrita, que permitiu o encontro com sua musa da adolescência.
E essa, da Camille Castelo Branco, no qual reflete sobre a influência da escritora polonesa Wislawa Szymborska. “Szymborska afirma que escrever nada mais é do que sentar diante do papel e esperar por si mesmo. É uma sentença enganosamente simples. Porque este “si mesmo” a que se deve esperar não admite subterfúgios”. Sem mais.