Para quem eu escrevo?
Gatilhos em Valéria; Acho graça lendo Virginia Wolf; Uma Linda Mulher foi um caos; Colunista sai de jornal e se torna milionária com newsletter
Uma pergunta vem ecoando na minha cabeça: para quem eu escrevo?
Valéria, protagonista da série que parece ter roteirizado minha vida
Quase como uma ideia fixa, a escrita tem tomado conta de tudo o que olho, vejo, leio ou assisto. Mesmo tendo trabalhado com escrever desde o início da minha vida profissional, a inserção nessa escrita livre (e mais passível a críticas diretas) e com muita exposição não tem sido das tarefas mais fáceis de enfrentar.
Sou jornalista por formação, passei mais de dez anos dentro de uma redação tendo ela, a escrita, como ofício e rotina. Porém, naquele caso, era uma escrita pautada, direcionada, com foco e objetivo certo. Me dê aqui uma pauta e te entrego um texto completo em poucas horas (se for o caso e não demandar, claro, uma investigação e apuração mais profunda). Me considerava uma máquina de escrever: bastava um instante de determinação e o texto saía direitinho.
Depois de um tempo como repórter e editora, passei a escrever textos assinados, opinativos, com a minha cara. Me tornei colunista, aquele posto tão almejando por tantos. E, a mim, assustador. A partir daí, já dificultou o processo de transferir as ideias para o teclado, pois já não tinha um assunto específico para discorrer e nem um formato certo para seguir. Eu achava que ali seria um espaço livre.
Mas, ainda assim, o texto naquele contexto da empresa tinha um objetivo muito claro: a audiência. O tema, a foto, o título, o tamanho do texto, a quantidade de intertítulos, os hiperlinks... tudo pensando em garantir um alto número de leitores, em entrar no ranking de autores mais lidos e transformar aquela opinião em algo a ser viralizado. Não era ruim, confesso, ser lida por mais de 50 mil pessoas em um só texto. Mas tudo isso só reforça que, apesar de ser de uma maneira diferente do que uma matéria, ainda era um texto direcionado.
Agora escrevo, de fato, livremente, tanto como colunista em outro portal, como aqui nessa newsletter. E, preciso dizer, não estou sabendo o que fazer. Por tanto tempo sendo pautada e tendo objetivos a alcançar, escrever por mim mesma tem sido um desafio assustador. Mais ainda, escrever para publicar na internet e receber, de forma imediata, as percepções sobre o que foi dito me amedronta.
tá tudo bem se sentir mal depois de ter tomado a decisão certa (foto: Bia Guedes)
Nessa nova escrita em que não tenho mais nenhuma alcunha a me apegar, como repórter ou editora, há ainda muito espaço pra questionamentos e inseguranças. E, talvez por não saber responder àquela pergunta inicial do texto, tenho me encontrado e espelhado muito em personagens por aí.
É o caso da Valéria, da série na Netflix que estreou a segunda temporada recentemente. A primeira já foi um grande gatilho por conta da história da protagonista ser, basicamente, a minha história - em todos os quesitos. Ela era casada, tentava escrever um livro, se sentindo perdida e uma impostora. Na segunda temporada, assistir ao desenrolar da vida dela a partir do livro já publicado, foi ainda mais intenso. Porque, nesse caso, eu já não me via mais nela, me vi querendo ser ela.
Penso se isso é fenômeno de rede social e internet ou se escritores de outros tempos já sofriam com essa ansiedade antes do “maravilhoso advento da rede mundial de computadores”. Se, sei lá, a crítica especializada ou a pressão das editoras também influenciavam diretamente na construção de cada parágrafo. Imagino que sim, mas não sei até que ponto pode ser comparada com a atualidade. Pois, por exemplo, cada texto publicado aqui ou em uma coluna em site ganhará um post no Instagram para divulgá-lo. E ali, somente um trecho, com alguma foto, será contemplado para o deleite ou dissabor de um monte de gente que não clicará para ler o desenrolar da ideia. É uma isca que pode ser traiçoeira.
Lembro da Valéria preocupada se o ex ou a família iriam ler o livro dela e volto para mim, mais uma vez. Pois, nunca consegui nem começar a contar uma história que gostaria por medo de quem vai ler. Antes mesmo de escrever, penso em para quem irá. É como se o destino do texto, a repercussão de cada palavra escrita, viesse primeiro do que as palavras que ecoam na minha cabeça ganhem o teclado. É uma castração do processo criativo pela qual ainda não tinha experimentado.
Se escrever, por si só, já um ato doloroso, uma jornalista escrever sem pauta, colocar-se em primeira pessoa, se perceber diante de uma plateia que vaia ou aplaude só com a introdução, é como aqueles pesadelos em que você sai sem roupa de casa e só percebe quando já está na rua. É intimidade exposta sem conseguir correr ou acordar.
E, claro, estou falando sobre escrita, mas vale como metáfora para toda etapa da vida em que a gente se vê diante de um caminho desconhecido, muito diferente daquele a qual você já estava acostumada - o que não necessariamente queira dizer que era bom, você apenas estava habituada. Foram mais de dez anos escrevendo do mesmo jeito e, subjetivamente, vivendo sob a mesma lógica. Renovar esses caminhos e atualizar a narrativa é um processo amedrontador e mais desafiador do que eu poderia imaginar.
Lembro então que, em um tal momento da série, a Valéria grita a plenos pulmões: "eu quero escrever o que eu sinto, sem me importar com o que vão pensar" e, mais uma vez, penso que Valéria sou eu. Só ainda não consegui gritar. Mas tenho falado baixinho por aí…
“Contanto que você escreva o que tiver vontade de escrever, isso é tudo o que importa"
Diz Virginia Wolf em “Um Teto Todo Seu”, livro que li recentemente. Como viram acima, sigo nesse processo de me encontrar em personagens por aí enquanto não me reconheço em meu novo papel. Virginia, nesse texto, também falou por mim e esse trecho está destacado no livro que carrego pra cima e pra baixo comigo. Comentei sobre ela, inclusive, em uma sessão de análise e pontuei o fato dela ter escolhido o afogamento como forma de ir embora desse mundo. Minha analista me disse, então, que a escritora era também uma exímia nadadora. E isso passou a ecoar em mim por um tempo…
Mas tem outro ponto sobre esse livro. É que existem trechos em que eu ri com a forma que ela escreve. Entendi Virginia como uma mulher com humor peculiar e, bom, engraçada. Ao menos pra mim. E isso também me conectou, já que o humor é um espaço muito importante na minha personalidade e trajetória. Confesso que não saberia como contar isso pra mais alguém pq acho que iria parecer pouco culto da minha parte. Vou contar pra vocês, tá? Mas se vocês discordarem, finjam que eu nunca disse isso.
Eu juro que eu ri de gargalhar
"Tanto o elogio quanto a culpa não significam nada", ela também escreve. E penso em desenhar isso pelas paredes pra nunca mais esquecer e, quem sabe, não mais depender da avaliação alheia pro que faço.
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obra de Delfina Rocha
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São 1:40 da manhã desta sexta enquanto termino de editar isso aqui
Bom, eu me sinto pronta para ser tal qual Bari Weiss e dizer que fui uma das colunistas mais lidas de um jornal e saí para fazer uma newsletter que me tornou milionária.
Apesar de estar preparada para assumir essa posição, no momento essa newsletter me rende um total de zero reais. Portanto, se você curte esse espaço, se diverte, gosta de ler, tem um momento legal por conta desse cantinho, meu pix está de portas abertas: gabidourado@gmail.com (Nubank - sim, o Santander me desprezou depois que saí da firma e entrei pro time roxinho).
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Até mais ;)