O que aprendi com os Mestres
Posso dizer que essa é uma edição especial Cariri: os mestres, um roteiro rápido por algumas cidades e o ciclo estranho do twitter; também: livro da Adriana Negreiros; a melhor paródia da internet
Olá pra você que também se perdeu completamente nas datas e não sabe mais que dia é hoje e assim deixou no vácuo quem tava esperando a newsletter na caixa de entrada bem cedinho. Sem vírgula mesmo que é pra mostrar a velocidade que minha cabeça tá funcionando e se atropelando toda.
Eu até tinha um tema reflexivo pra news de hoje, mas acho que prefiro elaborar ele melhor antes de compartilhar. Por isso, vou trazer um tema que quem tá comigo nas redes sociais viu bastante: Cariri. Antes, uma historinha:
Eu sou cearense, desde 1986 nascida e criada no Ceará, nunca morei fora de Fortaleza (inclusive, é algo que constantemente está na minha cabeça - deveria morar fora pra saber como é? Fica mais um tema aí pra gaveta) e, apesar de saber bastante sobre a capital, percorri pouco outros municípios. Dentre eles, os que compõem o Cariri.
Terra bonita da peste
Por muitos anos trabalhei no jornal com uma editora nascida no Crato e que sempre enalteceu a própria terra, espaço de uma efervescência cultural invejante, com sábios das mais diversas linguagens. Fora toda a beleza natural, existe uma valorização da cultura tão forte que acho que só tem algo parecido em Recife, já que Fortaleza ainda engatinha quando o quesito é valorizar, cultuar e enaltecer seus próprios artistas (principalmente quando se fala de poder público e de imprensa tradicional - essa tão mais interessada em televisionar desgraças, sangue e miséria. E digo com conhecimento de causa).
Por isso, conhecer o Cariri era um sonho que realizei semana passada, quando fui cobrir com a equipe da Fecomércio a Mostra Sesc Cariri de Culturas. Imagina, ainda fui a trabalho com uma mostra cultural! Pra quem, quando pediu demissão, se viu tão perdida e angustiada com o presente ainda nem esboçado, estar em um trabalho assim foi a injeção de autoestima que precisava. E, se eu voltei assim do Cariri, vou aproveitar esse espaço pra dividir com vocês algumas coisinhas que aprendi com os Mestres por lá.
Museus Orgânicos e os Mestres da Cultura
Um dos projetos mais bonitos que vi nascer no Cariri foram os Museus Orgânicos. Com eles, nada de placas, inércia e contemplação distante. Uma visita a esses espaços é uma visita viva, já que são as casas de Mestres da Cultura transformadas em Museus que contam as histórias desses detentores de saberes distintos. Os Mestres são personalidades locais, artistas, difusores da cultura popular que tem suas residências transformadas em Museus para que, quem visite, ouça do próprio Mestre a história de cada objeto, cantinho ou imagem.
Visitei quatro - Mestre Nena, Mestra Zulene, Mestre Espedito e Telma Saraiva (em memória). E com cada um aprendi uma coisa.
Mestre Nena me deu um monte de susto com o papôco do bacamarte. Pelo menos eu o fiz rir com meus pulos. Artista completo, se posicionava de frente pra câmera sem precisar de direção. Contava cada passo pro preparo do bacamarte. E ouve bem, muito bem, ao contrário de mim que fiquei com um zumbido no ouvido depois do primeiro tiro de pólvora. O bacamarte, vale lembrar, é da paz, feito pra divertir, alegrar, emocionar e brincar. Na conversa, me disse que não é ele quem ensina a quem o visita, mas ele também aprende com cada um que passa por lá. O encontro é sempre uma troca, não uma via de mão única, ainda que seja dele o lugar.
Mestre Nena papocou o bacamarte nas minhas oiça e se abriu do meu susto
(se você não entendeu essa frase, precisa se aprimorar melhor no cearensês)
Mestra Zulene me ensinou que idade não existe quando se gosta de brincar. Tem 72 anos, mas disse que não tem mais de dez. E quando eu falei que ela estava linda com o vestido arrumado, ela me falou: “oxe, eu sei que eu num sou feia”. Contou animada sobre seu Museu, disse que gostava muuuito de dançar e era dançando que ela era feliz. Disso eu sabia, que quem dança não tem tempo ruim, mas ela me provou. Pedi uma reza, pq além de tudo ela é rezadeira que aprendeu com uma caboclinha da mata há muitos anos. Ela me deu e, ao final, me disse: “não era que vc tava precisando mesmo?”. Eu chorei um pouco enquanto bebia água e perguntei a ela o porquê. Ela só me disse que era pq eu tava precisando e que, se quisesse, podia voltar (acho que só uma reza não deu vencimento pra tanta carga que havia junto comigo). Voltarei, sem dúvida. Que eu tô precisando.
Mestra Zulene não tem idade certa, mas sabe que é criança
Mestre Espedito, eu acredito, não precisa de apresentação. Tá entre os mais famosos da região por conta do trabalho com couro em bolsas e sandálias. É Espedito Seleiro, de Nova Olinda, filho do artesão que produzia as sandálias de Lampião. E com ele aprendi que, mesmo quando não se tem meia palavra e costuma falar o que pensa, é preciso medir o que se diz publicamente. Ele questionou, por exemplo, se essa coisa de festival pela internet prestava. E quando eu pedi que ele falasse sobre as pessoas que iam à região só para conhecê-lo, ele me falou que não podia dizer isso, que não tinha como afirmar que o povo ia pra Nova Olinda só pra ver ele. Pras câmeras, seguiu com o discurso, que vinha gente do mundo todo, mas não necessariamente por causa dele. Com câmera desligada e microfone guardado, me chamou no canto e disse que sabia que quem ia pra lá era pra ver ele e a Fundação Casa Grande, mas que jamais poderia dizer isso assim, publicamente. Sábio Seu Espedito. Além disso, depois de vários problemas seguidos com a gravação, se dispôs a repetir as falas quantas vezes foi necessário. E como Mestre de uma arte feita à mão, disse que sabia como era: “quando a gente faz um trabalho e vê que num tá dando certo, o melhor é desfazer e começar tudo de novo”. Ah, Sábio Seu Espedito.
Mestre Espedito sabe quando, como e onde dizer as coisas
Já de Telma Saraiva eu queria ter sido amiga. Ela partiu em 2015, mas o legado de arte e beleza de diva ficaram e estão expostos na casa dela no Crato a partir do esforço dos filhos. Imagina, há tanto anos, uma mulher que costurava fantasias pra brincar o Carnaval e se vestia feito as personagens de divas de Hollywood. Montava a casa e encomendava os móveis inspirada nas revistas de cinema. E fotografava as pessoas com adornos pra imagens eternizadas. Mais ainda, ela aprendeu técnicas de fotopintura e pintava as fotos que só existiam em preto e branco na época. Ou seja, uma mulher que trouxe cor pras memórias e lembranças dela e de quem por ali passava. Tem como não amar e admirar uma mulher assim? Se não tinha cor, ela pintava. Se não tinha cinema, ela inventava. Se não tinha roupa, ela costurava. Se não tinha pronto, ela encomendava. Se não tinha espaço, ela criava. Não existiu não pra essa mulher e eu vou carregar isso comigo.
Primeira foto pintada por Telma. Me diz se eu não preciso desse look pra ontem?
Roteiro rápido por três cidades do Cariri
Além do que aprendi com os Mestres, pude conhecer outros espaços no Cariri e vou aproveitar pra compartilhar esse roteiro com vocês:
Nova Olinda
Fundação Casa Grande, em Nova Olinda
Além da vila do Mestre Espedito, lá também está a Fundação Casa Grande, a primeira casa de Nova Olinda e onde está o Museu do Homem Kariri, que conta a história dos índios Kariri e toda a ancestralidade caririense. Fora que quem conta essa história e gere o espaço são as crianças. Lá é tudo deles!
Juazeiro do Norte
Artesanato do Centro Cultural Mestre Noza
Além do turismo religioso com o Horto do Padre Cícero, dois lugares são essenciais para visitar. Um é o Centro de Cultura Popular Mestre Noza, onde vários artesãos expõem, vendem e produzem suas obras. É de enlouquecer de beleza e de lá voltei com a mala cheia. Ainda tem a Lira Nordestina, que dessa vez não consegui ir, mas que é uma editora brasileira especializada na produção de literatura de cordel. Por lá, é possível ver e conhecer mais sobre toda a história do Cordel. Precisarei voltar pra conhecer.
Crato
A Casa Ucá é muito fofinha
O Crato tem muuuuita coisa linda, mas vou dar a dica da Casa Ucá, que é uma lojinha colaborativa e um café que é muito lindinho. Parece muito com os cantinhos em Fortaleza que gosto de ir. Lá tem roupa, artesanato, acessórios… uma ruma de coisa. Além de ser linda pra tirar foto! Além disso, partindo pra natureza, fomos no Sítio Fundão, onde conhecemos uma casa de taipa de dois andares e ainda vimos um rio lindo de água cristalina. Bom para pequenas trilhas e muita foto. Precisarei voltar ainda pra conhecer o Museu do Luiz Gonzaga e várias outras trilhas pela Chapada do Araripe.
Os ciclos do twitter
Escrevi um tweet genérico sobre impressões rápidas e positivas que tive da visita ao Cariri. O post ganhou grandes proporções e tal hora começou a surgir moradores, erh, ofendidos com meu tweet. Dizendo que as cidades não eram daquela forma e que eu deveria só ter andando por um bairro. Vocês não acham meio doido quando até algo elogioso consegue ganhar um potencial ofensivo pra galera? Tô tentando entender isso.
Pra não dizer que só falei do Cariri:
Na volta, passamos por Quixadá e agora eu estou louca pra voltar lá e fazer turismo de aventura. Me indicaram até um guia, o Kido Aranha.
Essa paródia da música “Por Supuesto”, da Marina Sena, salvou meus últimos dias. Genial!!!! E já aprendi a coreografia.
E o Tiago Iorc, hein? Vou deixar esse post da Jéssica Petit. Sem mais.
Adriana Negreiros lançou mais um livro porrada. Depois de “Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço”, a autora lança “A Vida Nunca Mais Será a Mesma” no qual fala sobre um estupro que sofreu. Nessa entrevista ela fala sobre coragem.
E se algum dia seu gato se perder e você precisar resgatá-lo, use esse vídeo. Funcionou comigo!
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Aí que acendeu uma vontade de conhecer o Cariri =)