A Marie Kondo não sustenta mais uma casa 100% organizada. A Cristal Muniz afirmou não viver mais uma vida lixo zero. Nem a Gracyane Barbosa se sente mais motivada a ir a academia. Rihanna fez o show possível e o que ela tava afim de fazer no Super Bowl. Quem sustenta uma vida pautada na perfeição e, pior, numa eterna superação? Ninguém mais, pelo visto.
A régua não tem fim, ela estica feito elástico e quando solta pode até pegar no olho. É perigosa. Ter um propósito, um foco, um direcionamento, uma causa que acredita ajuda a seguir em frente. Mas, ser um exemplo é uma carga pesada demais. Mais certa do que a morte só a falha.
Das inimigas, a pior: a comparação. Minha casa uma bagunça, mal separo o lixo direito, a academia vou me arrastando, já nem sei mais o que é o meu trabalho... Olhar pro lado e ver que, bom, pelo visto tá todo mundo parecido dá ao menos um alívio.
Esses dias mandei um áudio pra uma amiga:
“Estabeleça a prioridade e muda a rota. Mulher, isso é a vida. É mudar de rota. Sei o quanto é cansativo, mas também vamos mudando pq essa coisa de ter uma rota só funciona pra algumas pessoas, mas pra quem tem espírito dinâmico não rola. Que seja um novo rumo! Você experimentou coisas nessa vida e que essa seja uma nova coisa que você vai experimentar. E que seja com desejo, com vontade, sem ficar apegado aos planos que mudaram. Vamo em frente, isso também é viver”.
(corta a cena eu chorando em posição fetal lamentando tudo que eu poderia ter sido e abandonei)
Mas, é bom ver que ressignificar tem sido um processo coletivo. Depois dos últimos acontecimentos no mundo, estranho seria se esse não fosse o processo natural. Não estamos dando conta. Não vale a pena sustentar o irreal nem almejar o impossível. A vida se põe, o vento bate, a onda leva, a poeira sobe. A gente tropeça na pedra e nem sempre dela se contrói castelo até pq castelos são cafonas pra caramba - dá logo vontade de fugir com o dragão.
Um dia eu caí no conto de que eu mesma seria personagem de uma bela história de reviravolta de vida, superação e sei lá mais o que. Caí de cima da minha própria fantasia, da romantização da vida real e roteirização do cotidiano. Acreditei na figura criada pra mim. Descobri, logo no dia seguinte, que a vida real não sustenta a narrativa idealizada. Ela se impõe e, junto, o cotidiano medíocre e sem graça - na angústia entediada.
Quando assisti, semana passada, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, saí do cinema com a sensação de que os roteiristas/diretores, depois de uma situação absolutamente banal quanto brigar com a mãe ou se irritar com o marido, criou um universo fantástico pra não encarar a chatice real. Entre, então, chorar de raiva depois de discutir com os pais ou sucumbir ao tédio da burocracia, pq não inventar um multiverso de habilidades especiais para luta, figurinos excêntricos e corpos improváveis? Pelo menos a gente se diverte enquanto lida com o ordinário.
Sigo buscando me divertir no meio do caminho, pois acreditar em um personagem e tentar sustentar a imagem não tem funcionado. Pra ninguém. Nem pra Maries, Cristais e Gracys. Quem sabe, no máximo, eu invente um roteiro disso para poder, enfim, idealizar um outro mundo.
Já quem esperava mais (eu mesma), bom, que lide com a própria expectativa. Ninguém é obrigado a supera-la.
“As pessoas pensam que é sotaque, mas é língua pgresa”
Com poucos minutos de conversa, Clarice Lispector solta essa - e eu ri. Um bate-papo inédito com a autora foi publicado na New Yorker com áudio (original, em português) e transcrição em inglês e revela uma Clarice que parece ter dormido na varanda - bem fresquinha.
“(quando criança) Eu me cansei de enviar minhas histórias (ao jornal), mas elas nunca as publicaram, e eu sabia por quê. Porque os outros começavam assim: “Era uma vez, etc, etc.” E os meus eram sentimentos”.
Atual obsessão
Bom demais publicar um texto falando sobre fazer o possível enquanto estou completamente obcecada pela Batalha dos 100, reality da Netflix que reúne 100 atletas de altíssimo rendimento em competições absurdas. É tipo uma Olimpíadas dos Faustão versão ultra hard.
Eu adoro ver coisas de lutas e atletas e afins. É bem divertido e fora que tal hora a gente começa a torcer por uma galera, pega ranço de outras… Além disso, é muito interessante ver a participação feminina na competição e as outras batalhas que elas precisam enfrentar. O último episódio só vai ao ar dia 21 de fevereiro e estou em cólicas pra saber quem venceu!!!
Faz tempo não apareço por aqui, né? Hoje resolvi partilhar uns pensamentos. Espero que a gente siga se encontrando <3
Não sei porque, mas não chegou por e-mail. Pois bem, insisto e refaço a rota que deveria ser a automática - abro o app e procuro, Era pra ter luz.
Vi o filme ontem. Não sei o que penso, ainda. Li do teu ponto, do meu foi uma forma bonita de resgate de três relações perdidas e fadadas ao fracasso (ela com ela, ela com ele, ela com a filha). Um dia entendo mais - será?
Quanto a obsessão, acho bonito das coincidências - sexta-feira escrevi sobre isso, vê só? E foi bom te ler porque ao mesmo tempo que tudo muda, existem coisas que nunca mudam, e que nos dão um quentinho no coração por serem exatamente assim. ♥️
Adorei o texto, um respiro para uma mente ansiosa que busca pela perfeição em todos os detalhes. Quando soube que a Cristal não leva mais uma vida 100% lixo zero, senti um alívio tão bom. Eu também já tentei ser lixo zero, mas não consegui (pois capitalismo) e me senti muito mal por isso. Não sabia sobre a Marie Kondo, e agora olhando para a minha cozinha cheia de louça e a minha casa repleta de coisas espalhadas em todos os cantos, também sinto alívio.
Gosto muito das suas newsletters, Gabi. Assino várias, mas as suas são das que mais me chamam atenção e me causam devaneios (mesmo lendo atrasada). Obrigada por continuar, fico feliz por estar aqui. beijos!