Tudo começou com uma parede rosa
aquilo que a gente escolhe olhar todo dia tem que ter a cor que alegra as vista
Eu chegava sozinha em uma nova casa. Sozinha no significado de eu e eu, portanto mais de uma. Eu mais a eu que ali seria. Pouco antes já tinha morado longe da mãe, do irmão, da tia, já pagava contas e até escolhia uma coisa e outra da decoração em outras casas que era meio minhas. Mas, naquelas, os móveis eram herdados, a decoração era o que podia e as paredes eram sempre brancas, no máximo pretas. A casa não tinha cara pq a cara era o que era permitido - e se a gente espera permissão, não tem cara nenhuma. Ou até tinha, mas não era a minha, pq a minha não podia ser. Pelo dinheiro, pela família, pela condição financeira, pela formação familiar, pelas escolhas musicais, pelas amarras sociais. Era minha, mas não era, pq não podia. Pq não devia, afinal eu deveria me submeter. Quem eu pensava que era? Dona da casa? Era minha, mas não era, nem poderia. Nem seria.
E se ali quisesse outras cores, outros móveis, outros jeitos, nunca era hora. Não deveria ser agora. O que se tem já está bom. Pq foi dado, entregue, doado, disposto. E se deveria agradecer. Não tem sua cara, mas pq deveria já que sua cara nem tão boa assim era. Tinha que puxar, remendar, pintar, enxertar. A cara. Mas a casa não, a casa deveria ficar como está e você deveria achar bom. Afinal, você ganhou, herdou, recebeu tudo o que nela tá. Mas, se um dia sair, nada é seu. Como não foi. Nada era, nada seria, nada fora. Mas nem queria, apesar de precisar.
Até que cheguei ali, naquela casa que achei, negociei, analisei, paguei e assinei. Era minha, até que não fosse mais. Mas enquanto eu ali estivesse, era minha. E tudo começou com uma parede rosa. Rosa pq era a cor proibida, pq era representativa do que não podia ser, pq era a imagem do erro, do vergonhoso, do indigesto. Rosa pq era frágil, era doce, era feminino. Tudo que eu era e, agora, poderia ser.
Tudo então começou com uma parede rosa pintada pelas mãos de amores mal pagos, não remunerados e embevecidos pelo altíssimo teor da amizade. Nela preguei os primeiros pregos na força de um martelo que tantas vezes tentei bater - mas me era segurado e retirado da minha mão, sob o nome de cuidado. Imagina se eu tivesse descoberto que tinha força pra bater e cravar os meus desejos...
Mas, aí eu bati. Bati prego e pendurei as conquistas, as histórias, os desenhos, as lembranças, os presentes, as compras em forma de quadros. Quadros quadrados, redondos, feito bichos, com asas, com orelhas, de barro, com bordas. Tudo chamado de quadro pq quadro é o que a gente escolhe pendurar na moldura da memória. Meio tortos, irregulares, desencontrados, como a vida. Foi daí que aprendi que casa era onde meus quadros estavam dispostos na parede, pra que essas memórias me lembrem quem eu sou, já fui e quem posso ser. Principalmente, quem não quero deixar de ser - e nem voltar a ser.
Na parede rosa eu me vi, eu me olhei pq vi minha escolha, meu desejo, minha vontade exposta ao meu olhar todos os dias. Pq era a cor que eu queria olhar todo dia e aquilo que a gente escolhe olhar todo dia tem que ter a cor que alegra as vistas. A parede rosa era representação de um momento, de uma era em que eu decidiria por mim e teria que fazer por mim. Era o grande mural da vida ordinária. E era justamente essa que eu queria.
Daí passou, saí, entreguei, morei em outras paredes. Cada uma com a cor que eu quisesse ver naquele momento da vida. Mas sempre com cor, pois a partir dali toda cor me conta uma coisa e me lembra quem eu quero ser.
Tudo começou com uma parede rosa.
Esse texto começou a nascer ontem, quando vi uma lembrança do Instagram dessa casa em que fui morar só pela primeira vez e onde pintei a parede rosa. Foi uma troca bonita de lembranças partilhadas nos comentários, tanto da amiga contando da sua porta azul como da que tem a casa multicolorida e um guarda-roupa básico. Casa é isso, né? É o lugar com a cor que a gente escolhe.
Falando em quadros e paredes
Vocês viram no envio anterior que lancei uma série de pôsteres com frases minhas transformadas em artes pela Ju Chooo. Eles seguem disponíveis pra você levar pra casa e pendurar na sua parede colorida. Todas as artes estão nesse post abaixo:
A que você curtir, manda e-mail pra erapraterluznews@gmail.com que a gente combina a entrega <3
Se é colorido é pra clicar
Essa entrevista do Henrique Diaz: “Assumir a vida é gostar também do fracasso. Achar que a sua vida estará toda direcionada para o sucesso é um erro. O nosso caminho inclui a sarjeta, o buraco, o erro, a ressaca".
Prêmio Jabuti e as mulheres finalistas em romances literários. Deles já li dois: Andréa Del Fuego (“A pediatra”) e Aline Bei (“Pequena coreografia do adeus”).
Impossível não chorar com essa fala do Gregório no Greg News.
Vocês estão assistindo Todas as Flores? Bom, eu tô viciada e quero falar dessa novela o tempo todo!
“Belezas são coisas acesas por dentro”
Gal encantada.