“Vá e incorpore a personagem mulher profissional segura de si”, disse eu mesma enquanto sento em um café metido a besta tento incorporar a personagem da escritora com textos atrasados para a entregar de seu próximo livro cuja editora cobra um novo sucesso de vendas tal qual aquele que me alçou para o sucesso literário e tomo um café com leite vegetal para não agredir minha microbiota e uso óculos com armação tartaruga de baixíssimo grau cuja única função é me fazer parecer mais inteligente enquanto olho os demais frequentadores do tal café paulistano metido a besta pensando no que eles estão tão concentrados e se talvez também finjam tanto quanto eu e tanto quanto a amiga preocupada se seria demitida mas não será pois eu já disse que não seria estariam eles programando para suas start ups ou com suas telas estrategicamente voltadas para a janela para que ninguém veja que na verdade estão no twitter assim como eu gostaria de estar mas estou vomitando um texto sem vírgulas para parecer que tenho muito a escrever e tanto mais a dizer mas na verdade só estou tentando fazer jus a personagem que me propus a incorporar hoje e faço tentar valer a pena a grana investida em uma torta de frango com salada de alface porém servida em um prato de cerâmica mais pesado que a minha sensação de culpa e portanto custando muito mais do que deveria custar uma torta de frango com salada de alface já notou que tudo servido em cerâmica passa a valer pelo menos vinte reais a mais quando humilde pois às vezes quarenta veja como fotografa bem para o meu post em que faço piada da minha personagem escritora em cafés bestas metidos pois a autodepreciação é meu tipo de humor favorito pois combina com minha personagem engraçadinha da internet com piadas do cotiano afinal tem gente que faz dinheiro com isso enquanto eu no máximo recebo mensagens desaforadas no inbox será então que quem faz dinheiro também está imersa em um personagem autodepreciativo pelo humor ai me perdi no pensamento sentou ao meu lado um trio de personagens interessantíssimos em seus óculos camisas xadrez e pulovers azul céu e cabelos bem cortados conversando amenidades de uma terça-feira fria ensolarada buscando referências e boas tiradas talvez um pouco de humor autodepreciativo e gargalhadas divertidas queria sentar com eles e incorporar minhas personagem intelectual para dizer que assisti ao espetáculo Virginia da Claudia Abreu e me impressionei com a forma que ela traduziu a escrita de livre associação para o palco tenho usado esse texto bastante nesta minha personagem mas daqui a pouco terei que aposentá-lo pois o público se repetirá e não terei mais como utilizá-lo em rodinhas de óculos de grau camisas xadrez e calças de brechó essas mesmas que estou vestindo pois faz parte do figurino desta encenação são calças de brechó cintura alta os óculos tartaruga a sandália fisherman acabei de aprender essa palavra pois combina demais com uma besta metida em um café fingindo escrever para um livro que nunca existiu.
O autocorretor está irritadissimo comigo talvez você também esteja e se ele grifa tudo em laranja e vermelho você tenha fechado na primeira linha e dito ou pensado em voz alta que um texto sem vírgula só está autorizado a samaramago e virginia e se eu porventura escolhesse pontuar de outro jeito talvez começar o texto com um ponto pensando que pontos começam diálogos em vez de terminar eu não deveria pois isso é coisa de clarice mesmo que por vezes alguém volte à livraria e tente devolver dizendo que era errado começar com ponto minha mãe diria que é errado escrever sem vírgula e esse seja talvez o meu grande ato de rebeldia freudiana contra a autoridade materna escrever errado tendo mãe professora de português mesmo ela rindo quando eu disse que tentaram devolver o livro que começa com ponto porque tudo em clarice é permitido e aquelazinha que devolveu não entende clarice e nem literatura que regozijo é entender uma escritora mas escritoras não são para serem entendidas tal qual textos que nascem para ser publicados nascem condenados e talvez eu não devesse publicar esse para não condená-lo coitado mal nasceu e já está condenado quem vai gostar de ler algo num respiro só talvez se sufoque com as letras tanto quanto eu me sufoco com elas porque letras parecem cobras enrolando-se vagarosa e interrompem o fluxo de sangue e a perda da consciência é o ato de escrever e ninguém vai postar isso ainda bem pois que vergonha seria minha mãe descobrir que escrevo tão mal e não sei pontuar pontos e vírgulas são para serem postos onde quiserem na rebeldia literária sendo esta a máxima a qual alcancei pois não engravidei nem usei drogas na adolescência só poucas vezes ainda que a adolescência tenha se estendido até meus trinta e oito e eu precise pedir presentes em dinheiro. coloco um ponto aqui. é melhor encerrarmos.
Você realmente chegou até aqui?
… então toma uns links legais
A Priscila Pacheco da newsletter Mulheres Falam escreveu um texto citando essa newsletter que vos fala e eu fiquei besta!
A Luci e sua Flows Magazine escreveu sobre a crise dos 7 anos com São Paulo e essa nossa relação com a cidade em que vivemos.
O espetáculo Virginia citado nesse texto (se é que ele pode ser chamado de texto) estará em cartaz em Fortaleza
E a Claudia Abreu falou um pouco sobre o processo desse espetáculo num papo com a Tati Bernardi pro Universa
Ainda sobre personagens, uma mini história: encontrei uma pessoa que admiro há tempos e pude dizer a ela o quanto ela foi legal comigo em encontros profissionais passados. Ela disse: “é minha personagem. Ela é melhor que eu”. Eu, ébria, respondi: “pois tatue no ombro: a minha personagem é mais legal”.
a minha certamente é.
O tanto que amei esse texto!
“escritoras não são para serem entendidas tal qual textos que nascem para ser publicados nascem condenados” ❤️