Eu tenho um talento único e especial: o de estragar tudo
Geralmente a hora certa para se estragar tudo é quando tal tudo parece estar de todo bem.
É uma espécie de faro, um dom, algo que não se ensina a aplicar. Posso tentar, ainda assim. Geralmente a hora certa para se estragar tudo é quando tal tudo parece estar de todo bem. Caminhando leve, sem intercorrências, com risadas pelo caminho, com conquistas alcançadas, com experiências bem sucedidas e a sensação de estar vivendo aquilo que um dia sonhou.
Perfeito, hora exata de estragar tudo. Jogar uma bomba, seja ela de qual natureza for. Falar o que não devia, escolher o pior momento, virar as costas, ir embora, tomar a pior decisão, dizer palavras desconexas, confundir, atrapalhar, vacilar. Há várias formas de se estragar tudo, mas meu faro apurado dá o tom para encontrar a melhor (pior?) para se adequar a cada momento.
Sendo assim, consigo escolher o pior dia, retiro da mente qualquer pensamento que sugira ponderar ou refletir, não espero, não deixo para lá, não respiro. A hora é agora e o depois não existirá e tudo precisa sair no momento exato do pensamento torto. E assim sai o estrago, meio vômito, molhado de sal, rasgado, amargo, cru. A bomba mal remendada com pólvora gasta que mais faz barulho e só queima gasta a pele dói o ouvido mas nem pra triturar serve porque é toda feita de qualquer jeito.
Viro um polvo virado de ácido desgovernado correndo (correndo?) no meio de uma maquete frágil de pequenas pessoinhas, carrinhos e predinhos derrubando o que vê pela frente com tentáculos que se movimentam cada qual em uma direção num ritmo frenético ao som de sweet dreams. Logo depois de colocar a última miniatura daquele projeto tão bonito. Pronto, tudo ao chão. Acabou? Jamais! Piso um pouco mais, espalho uma crosta espessa e grudenta, insisto enquanto a destruição não for completa. Enxergo mal, como um peixe esbugalhado num rio de detritos e água acinzentada sem definir o que engasga e o que alimenta mas ainda com aquela boca aberta em ó engolindo o que vê (vê?) pela frente.
E então passa. O dia seguinte chega. O depois que não existiria existe. O que não existia, afinal, era o polvo. Ou o peixe. Nem a maquete. Nem o ácido. Nem o rio. Era tudo eu. Olho para o lado, para o outro, e o que estraguei não se materializa em predinho, pessoinha, carrinho. Não era maquete. Era sentimento, momento, desejo, vontade. A construção não tinha cimento, era do pensamento do interno do aos pouquinhos da mão dada do um passo de cada vez.
É possível reparar? Ah, talvez seja. Não sem encontrar poeira, gosma, rachaduras. O mal está feito e aquele caminho bonito não mais retornará.
Me diga se não é um talento?
Especialista.
Tudo que é roxo é de clicar
As sete características das pessoas verdadeiramente legais (e a gente desesperado tentando se encaixar em alguma)
Mas o que eu acho, acho mesmo, é que você deveria ler Vamos Comprar um Poeta
Dito isso, você não deveria nada.
que alegria ver que você voltou a escrever! gostava muito de receber suas newsletters ❤️