Eu não gosto do bom senso
Eduardo & Mônica; Calcanhotto & Baco; Eu & Ele; Pequena lista de gostos e desgostos
Eduardo e Mônica eram nada parecidos…
amar às vezes é ouvir a mesma música em frequências diferentes, especialmente quando esse amor encontra diferenças pelo caminho. Bonito isso, né? Eu cheguei a esse conceito depois de um momento compartilhado com meu namorado, 12 anos mais jovem, enquanto ouvíamos uma música no carro.
A canção, em questão, era cantada pelo rapper baiano Baco Exu do Blues e na letra ele entoava o quanto não gostava do bom gosto, do bom senso e dos bons modos. Foi meu namorado quem me apresentou o Baco. No início da nossa paquera, a música “Te Amo Disgraça” foi trilha dum início de relacionamento cheio de adrenalina e tesão.
Mas aquela lista de desagrados eu conhecia, e não era dele. “Essa música é da Adriana Calcanhoto”, falei. Meu namorado não a conhecia. Afirmei que tinha certeza e numa busca rápida pelo Google encontramos “Senhas” e colocamos pra tocar na versão da cantora. Nela, a sequência ‘não gosto’, ‘eu aguento’ e a’té suporto’ me era mais familiar e, pra ele, novidade.
Eu tenho 35 e ele 23. Ele já teve 19 e eu 31. Nosso relacionamento é um grande encontro de canções que soam comuns, mas tantas vezes tocadas em ritmos distintos. Em muitos momentos é, inclusive, a mesma música para os dois, porém em outro ritmo, outra sinfonia. Por vezes, até outra sintonia - que pode se perder num som desencontrado. É preciso manter os ouvidos atentos pra melodia não sair do tom.
Os nossos, temos mantido bem abertos. Pelo menos até agora
A ideia dessa news nem era exatamente essa reflexão sobre relacionamento, mas me perdi nos pensamentos e preciso lembrar de vez em quando que aqui não é um jornal em que devo seguir um lead
Eu não julgo a competência…
Ouvir senhas depois de sei lá quantos anos, em uma nova batida, mas com uma letra tão poderosa me fez ter vontade de montar a minha própria lista de gostos e desgostos. Obviamente não sou Adriana nem Baco, então isso é só uma lista.
Eu gosto dos que salivam
Dos que queimam e cortam pros dois lados
Dos que choram e soluçam e riem que choram
Eu gosto dos que dançam
Eu gosto dos que se pintam
Eu não gosto dos que não se arrependem
Dos que fariam tudo de novo
Dos que falam e não ouvem
Dos que ouvem e não falam
Dos seguros de si
Eu não gosto dos bons costumes
Das boas maneiras
Da etiqueta à mesa
Da pessoa de bem
Eu até aguento o harebô
Eu sorrio com o otimista
Eu convivo com o otário
Eu aguento até o intelectual
Eu não suporto o babaca
Eu não aguento o deboche
Eu não entendo o sonso
Eu detesto o cínico
Mas eu gosto do sarcástico
Eu me apego ao sisudo
Eu apoio o tonto
Eu me ligo ao sonhador
Mas eu não gosto do sem graça, do sem sal, do seu gosto
de quem controla demais
de quem pensa demais
quem ama pouco
quem esconde, finge, esquece
quem aponta o dedo e diz que não é
mas no escuro é
Eu não gosto do debaixo do tapete
Do armário fechado
Do fundo da gaveta
Da playlist de estilo único
Do sufixo ‘eiro’
Eu gosto da luz, do brilho, das cores, do ofuscante
Mas eu gosto do silêncio
Eu odeio o barulho da água pingando
Do telefone tocando
Da chinela arrastando
Da caneta batucando
Eu todo dia gosto um pouco mais
e um pouco menos
Odeio muito, desgosto um tanto
Deles, de mim, dos outros
Mas o que eu não gosto é do bom gosto…
Pesquisando sobre a letra, encontrei esse vídeo recente que a Calcanhotto fez explicando o contexto de “Senhas”.
Ela comenta, inclusive, que tinha receio que a letra ficasse datada por ter sido feita em um contexto específico da sociedade. Bom, não só não ficou como parece cada vez mais atual.
Mas aí penso na minha lista e em quanto tempo teria vontade de mudá-la totalmente ou acreditar que perderia o sentido. Isso porque mudo o tempo inteiro de conceitos, ideias, vontades e de… cabelo.
Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar….
Assisti essa semana uma sessão de “Eduardo & Mônica - o filme” e foi como assistir a minha própria história. A mesma que abriu essa news, de um relacionamento entre uma mulher mais velha e um cara bem mais jovem, entrelaçados em uma conexão que pouco tem a ver com assuntos em comum, mas com energia que se une e fica difícil separar.
O filme, aliás, é surpreendentemente bom! Tinha curiosidade em saber como transformariam uma música tão literal em um bom roteiro para cinema que não ficasse óbvio e clichê. Se a gente entra no cinema com a ideia de que sabe como termina, o filme consegue surpreender na interpretação e entregar uma experiência com muitas surpresas.
Gabriel Leone como um adolescente de 16 anos tá sensacional. Alice Braga é sempre genial. Os dois como um casal é aquela boa representação do “tanto faz”. E o melhor amigo do Eduardo é um show a parte! Tipo um amigo que todo mundo deveria ter.
Meus destaques: a forma como encontraram para representar o refrão / a densidade que trouxeram para a história da Mônica / as inserções de elementos da letra nas cenas sem ser literal (Bauhaus, Van Gogh, Novela, Godard…) / acompanhar o amadurecimento do Eduardo / e o final é lindo!
A “casa” da Mônica é um desbunde pinterestiano
Chorei um bocado, tive uns gatilhos pela semelhança com a relação que vivo hoje e ri um monte. Saí do cinema muito feliz e leve, já que é um bom filme de entretenimento, um romance gostosinho e uma nostálgica viagem aos anos 1980!
O longa estreia dia 6 de janeiro
Batalharam grana…
Essa news tá um caos, né? Bem como tem sido a vida. Sei que não tenho enviado nas datas certinhas, mas precisei dedicar uma energia ao trabalho e a essa nova rotina de freelancer com a qual ainda estou me adaptando.
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Fica o questionamento