Em busca de mulheres cretinas
e detestáveis. e canalhas. e todo o restante da complexidade humana pouco explorada em personagens femininos; clube das viciadas em wordle; quem você é na montanha-russa; a canga de Juliette
Sinto falta de personagens femininas complexas, repletas de nuances e com curvas surpreendentes. Não vilãs ou mocinhas, muito menos musas. E reparei que nos últimos dias cruzei com algumas absurdamente interessantes.
Apesar de estar de saco bastante cheio de ler e consumir "obras feministas", daquelas que circulam pelas mesmas questões (e eu sei que o problema é que as mesmas questões existem há milênios e não são solucionadas), é incrível poder se conectar com personagens que conseguem mergulhar em questões extremamente femininas ao passo que não caem nos lugares-comuns reservados às mulheres na ficção.
Uma é a Dra. Cecilia, protagonista do livro "A Pediatra", de Andréa Del Fuego. Ela é apaixonantemente detestável. Tem atitudes condenáveis socialmente, não faz questão de ser correta, não tem paciência, empatia e muito menos responsabilidade emocional (pra usar uma palavra da moda). E, apesar de ser terrível, fiquei com vontade de ser amiga de Cecilia pois costumo gostar muito de gente, principalmente mulheres, que possuem uma personalidade marcante e não tem medo de mostrar quem é.
Quando me deparava com personagens femininas no cinema e na literatura que consumia, mesmo quando tinham alguma atitude considerada ruim, já eram justificadas pelo manto do "amor", seja por algum homem ou por um filho ou por uma irmã ou por um cachorro o que quer que fosse. Como se toda mulher fosse alimentada por esse amor, essa virtuosidade, esse poço de bons sentimentos e atitudes altruístas. Não poderiam ser, somente, vigaristas.
Lembro de outra personagem aqui, a Rebeca, interpretada por Andrea Beltrão em Um Lugar do Sol. Esse roteiro da Rebeca de uma modelo com 50 anos em crise sobre a própria beleza poderia tranquilamente cair em um lugar comum e clichê de botox + cabelo loiro + academia. Quase uma personagem de Zorra Total ou A Praça É Nossa, sabe? Aquela coisa caricata e ridícula nas quais as mulheres eram encaixadas.
Porém, a criação e a interpretação entregam uma mulher intensa em seus desejos e completamente contraditória. Ou seja, uma delícia de acompanhar! Tem discurso da liberdade feminina, mas é presa em um casamento de merda pelas migalhas de atenção dadas pelo marido feio. É uma filha amorosa e atenciosa, em contrapartida é uma mãe que nutre uma espécie de inveja da própria filha. Além de todas as questões sobre idade, desejo por um homem mais jovem, a pressão da juventude... Que personagem complexa é Rebeca e, portanto, apaixonante.
Eu olho pra mim e para as mulheres ao meu redor e todas presas em culpas cristãs, sociais, culpas que vem sei lá de onde e que pouco permite espaço pra um vacilo, pra mediocridade e pra qualquer outro aspecto demasiadamente...humano.
Bem como Leda, personagem da adaptação para a Netflix da obra "A Filha Perdida", de Elena Ferrante. Não li o livro e nem sou a maior das Ferranters, mas assistir a um filme com uma mulher que seria apenas uma personagem banal caso fosse um homem, mas tão complexa e intensa por ser mulher, foi uma experiência avassaladora.
Veja bem: num resumo cretino, ela é apenas uma pessoa que resolve curtir mais a vida depois que as filhas têm por volta de 7 anos. Pq esse ponto faz com que Leda seja tão interessante? Talvez pq é uma mulher. Imagina uma sinopse cuja descrição é: "homem sai para curtir mais a vida e deixa filhas em casa". Nada de surpreendente, né? Mas, no caso de Leda, é como um poste mijando num cachorro.
Ora, quantos amigos você tem que deixaram de fazer algo por eles mesmos por conta de filhos? Tenho amigo que foi fazer turnê fora do país com o filho recém-nascido. E pq isso é tão questionável quando a decisão é feminina?
Digo, inclusive, que sou pai do meu cachorro que ficou com meu ex-marido depois da separação. Sou um pai típico: ausente, mas repleta de foto dele pelas paredes. Que vê de vez em quando, mas quando encontra tira muita selfie e publica nas redes sociais com palavras amorosas. Que até dava mais atenção no começo, mas depois a vida foi caminhando e já não havia espaço onde ele se encaixasse. Obviamente não me orgulho disso, mas não estamos aqui numa competição de virtudes, não é mesmo? O que entra em jogo aqui é essa ser uma atitude tão facilmente atribuída a uma figura paterna e tão facilmente condenável quando é a uma figura materna.
E por isso adoro e compreendo Leda. E Cecilia. E Rebeca. E quero ler e assistir mais sobre mulheres complexas, cretinas, questionáveis, corruptas, canalhas, salafrárias e o que mais houver pra explorar nas camadas humanas.
Estou viciada nesse joguinho: Wordle. É basicamente para adivinhar qual a palavra do dia. É em inglês (e estou aproveitando pra dar aquela estudada), mas já criaram a versão em português, o Termoo
Na virada do ano terminei de ler “Lacan ainda: testemunho de uma análise” sobre uma psicanalista brasileira que vai a Paris para fazer análise direto com o Lacan. É revelador pra quem, como eu, faz análise lacaniana.
Nas últimas semanas a Julitette usou uma canga com uma estampa criada pela artista visual cearense Tereza deQuinta e, claro, viralizou. E é incrível saber que mais gente vai conhecer o trabalho desse talento cearense absurdo!
Hoje estreia o documentário "O Canto Livre de Nara Leão", no Globoplay. Dividido em cinco episódios, com direção de Renato Terra, a produção traz depoimentos de amigos e parceiros de Nara, como Roberto Menescal, Chico Buarque, Marieta Severo e Maria Bethânia.
Quem você é no meme que abriu o ano de 2022? Eu 100% Bruna Marquezine!
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Amei! Você leu Matrix, da Lauren Groff? É uma protagonista dessas, que ousa criar as suas regras…. O livro é maravilhoso
Estou adorando. Show!!!